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Blog da Karina Oliani

Desafios ao subir o K2: no mesmo dia encaramos 30 °C e tempestade de neve

Karina Oliani

17/09/2019 04h00

Reprodução do Instagram

Às vezes, olhando o K2, no Himalaia,  de longe –todo tranquilo e sem vento –, a gente pensa: "Porque não subir ele agora?". Oito mil, seiscentos e onze metros. A montanha mais perigosa do mundo. Uma escalada desse porte deve ser necessariamente "quebrada" em partes.

Ao redor de mim, no acampamento base, outras 120 pessoas pensavam o mesmo. Alguns fatores, entretanto, impediam a todos nós de seguir esse desejo inerente a todo alpinista.

Lá em cima, no cume do K2, há cerca de 1/3 do oxigênio com que eu estou acostumada a viver no Brasil. O corpo humano simplesmente não foi feito para permanecer em lugares como esse. Para se ter uma ideia, há apenas algumas bactérias na Terra que sobrevivem permanentemente acima de 5.500 m, o resto de nós não consegue ficar muito tempo acima dessa altitude. O corpo humano precisa de semanas ou até meses para produzir mais células vermelhas novas para captar o pouco oxigênio presente no ar deste ambiente. E mais de 90% das pessoas que tentam escalar o K2 utilizam cilindros de oxigênio suplementar para aumentar a chance de alcançar o cume.

Neste verão nevou como não acontecia há 40 anos. Encontramos muita gente que vive e trabalha lá a vida toda, todos disseram que nunca viram tanta neve acumulada.

A logística é outro desafio. Precisamos de barracas, cordas, panelas, gás, comida etc. Tudo isso pesa e custa muito. Transportar e instalar tudo isso nos acampamentos altos do K2 geralmente demora mais ou menos um mês e 20 dias. Se não bastasse, estávamos em um dos terrenos mais acidentados da Terra. Dormimos e comemos por quarto semanas sobre um dos glaciares continentais mais extensos que existe antes da primeira tentativa de ir ao cume.

Sempre que lembro das montanhas do Paquistão penso em uma imensa variação térmica. Foi lá onde passei o maior calor da minha vida, a 6.400 m de altitude, num maciço de montanhas próximo ao K2. Em um momento pode estar 45 ° C positivos e, em questão de minutos a temperatura pode cair para 20 °C negativos devido a uma nuvem no céu e rajadas de vento.

O vale em que acampamos é tão profundo, com montanhas tão íngremes, que o sol se esconde por volta das 16h. Nossas barracas estavam montadas sobre um glaciar coberto por sedimento rochoso. É só tirar uma pedra do chão que você vai se deparar com um gelo incrivelmente denso. Com o intenso calor do dia era possível reparar que tudo ao redor da barraca estava derretendo –e que pairamos no topo de uma verdadeira torre de gelo. Durante o dia escutávamos o glaciar derretendo, escorrendo; durante a noite, o estalar do frio, das contrações da água na temperatura negativa se compactando.

Numa mesma jornada é comum termos um dia completamente azul com vento frio, 30 °C de calor e até mesmo uma tempestade de neve para fechar o dia. É realmente um lugar de extremos. A montanha faz questão de nos deixar claro que não pertencemos aquele lugar.

Mesmo estando tão isolados e judiados pelas intempéries, é impossível não se encantar com essa região. Num dia, acampados a 6700 metros no K2 na beira de um grande abismo, na rota Abruzzi, escolhida por nós para chegar ao cume, escutamos uma grande avalanche que varreu a encosta sul do K2. Passou a 100 metros de onde estávamos. Depois de respirarmos aliviados, vimos o sol se pondo sobre centenas de montanhas escarpadas que não devem nem ter nome, no lado chinês do K2.

Na próxima semana, vou contar porque gastei uma cartela de Viagra na montanha.

Sobre a Autora

Karina Oliani é médica, especialista em sobrevivência e fã de treinamento, nutrição e esportes de aventura. Já escalou o Everest duas vezes e foi a primeira mulher sul-americana a subir a montanha mais alto do mundo por suas duas faces. Também é bicampeã brasileira de wakeboard e snowboard, além de ter encarado aventuras como atravessar um vulcão em atividade, caçar tornados e a Aurora Boreal. Entende de treinamento físico e de nutrição esportiva.

Sobre o Blog

Aqui, Karina Oliani vai compartilhar todos os segredos de treino e alimentação para as aventuras que você quer viver: escalar, correr, nadar, voar. Além disso, com o passaporte recheado de carimbos, será uma ótima guia de viagens para destinos incríveis.

Karina Oliani